Em uma dada consulta, quando a Rainha de Copas apareceu, eu comecei a refletir sobre a beleza que existe na insinuação. A arte pra mim é sempre o processo de insinuar. Se assim não fosse, não seria subjetiva. Porque parte daquilo que a faz arte é o próprio processo de sempre haver algo em uma obra no qual o entendimento jamais será alcançado, mas está lá, oculto. E isto é a insinuação da beleza: mostrar sem mostrar, esconder-se em camadas de subtexto.
A Rainha de Copas pra mim é a mestre das entrelinhas. O que há de mais belo nela é o que ao mesmo tempo ela nunca haverá de mostrar por completo. Como essa copa tão a mostra, mas ao mesmo tempo fechada, incapaz de observar seu conteúdo, ela se faz presente ao mesmo tempo que vivenciar sua completude é impossível. Se copas é o naipe emocional por natureza, ela é a emoção no seu estado mais refinado. É a emoção que nunca se mostra por completo, há sempre algo que jamais alcançaremos por ser completamente particular e dela. Um algo submerso e enormemente sublime.
Meu bem querer, é segredo, é sagrado, está sacramentado em meu coração. E então eu percebi que de segredo pra sagrado, é só trocar a vogal. E o querer dessa rainha é essa dualidade segredo-sagrado, sagrado-segredo e os entremeios dos sentimentos que nunca se fazem compreensíveis por completo. Porque no fundo, no fundo, podemos viver juntos a uma pessoa por cinquenta anos e, ainda assim, não saberemos tudo que ela carrega em seu coração. Porque todo indivíduo, alguns dirão, é uma ilha. Mas eu discordo: toda pessoa é um mar abissal. E essa é a carta que parteja os peixes-ogros e caranguejos misteriosos desta região que é o mais íntimo de nosso coração.
Certa feita tive uma conversa com o Carlos Heitor da @tarotie.cartomancia sobre essa mulher. Engraçado que agora ela sai na semana. Ele contou a história de uma situação onde ele perguntou se iria chover num dia e ela saiu de resposta. Então me perguntou o que eu pensei que teria acontecido. Eu disse que teria sido um dia nublado mas não ia chover. Então ele disse: foi um dia ensolarado.
Um dia ensolarado para aquela que é a água da água. Dupla água. Existem teorias que consideram que as rainhas representam o elemento água e tendo junto o naipe de copas, pura água, haveria assim uma Rainha que é toda água. Mas eu pensei foi na copa fechada. Há águas que não se mostram. Que não são feitas para beber. Águas que se guardam e se imaginam. A copa dela impede a existência da chuva. Mas eu pensei que seria um dia nublado, a água contida nas nuvens.
Não, a água estava contida no ar. Rainha amena, rainha tranquila, calmaria de um dia bonito, ensolarado, pacífico. A copa fechada é a ideia de uma beleza tão bela que não se dá o direito de exibir totalmente. É sentida, interpretada subjetivamente. Esse cálice ensimesmado, orbe do sublime, é como se fosse o próprio coração humano.
O coração, reino do sentimento, guarda tudo que sentimos. Mas jamais se expõe por completo. Tudo que sentimos está nele, mas jamais alguém poderá saber tudo que carregamos em nós. Todo ser em sua particularidade é um mistério. Não podemos ler mentes, muito menos desejos. O outro será sempre essa ilha de fascínio. Mas se fascina, é uma ilha que vale a pena ser vívida. E a Rainha de Copas cala para evitar os calos. Mas se dá o direito de acolher, de abraçar, de não dizer muito, mas demonstrar bastante. No sorriso calmo, na paz de quem se assenta em trono bendito. É santo quem ama no silêncio. Então calo e canto Lulu:
“Eu te amo calado
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz
Nós somos medo e desejo
Somos feitos de silêncio e som
Tem certas coisas que eu não sei dizer”