Amor é amor e os símbolos sabem. Ainda que os primeiros baralhos tenham sido concebidos numa fase da história onde o dogma cristão esmagava o diferente e por conta disso as cartas tenham símbolos muito cisheteronormativos, é engraçado pensar que a única carta onde realmente existe contato humano é o arcano XVIIII, O Sol: dois homens que se tocam, que se sentem e se tornam iguais no afeto. Me faz lembrar que Apolo, deus solar, era bissexual. Que Zeus tinha Ganimedes. Que amor é amor e por trás do amor reside o mundo inteiro.
E até mesmo naquele contexto medieval e retrógrado, podemos dizer que o Tarot era bem subversivo com suas tantas figuras andróginas, assexuadas e enigmáticas: A Temperança que sendo anjo representa ambos o sexos e ao mesmo tempo nenhum, o Diabo que carrega seios fartos ao mesmo tempo que possui um falo enorme, A Morte cujo gênero é a uniformidade do solo, O Mundo que é a completude da androginia.
O Tarô carrega a bandeira arco-íris mesmo que nos segredos, porque os símbolos não tem gênero nem orientação sexual ou órgão genital. Os símbolos carregam ideias e uma das ideias mais claras é a beleza do amor. E o amor só tem gênero no dicionário, onde a palavra é masculina. Mas em outras línguas é uma palavra feminina. Em outras línguas, palavra neutra. Amor é amor.
O Imperador pode ser homem, a Imperatriz mulher, mas numa consulta, pronto, aquilo que era pra representar um homem no fim das contas era uma mulher forte e contida dos sentimentos. A rainha no fim das contas era um homem de coração aflorado em afetos. Ou o engenhoso Mago era nada mais que uma mágica querendo te seduzir com os lábios cheios de desejo.
Esses tempos mesmo uma amiga minha me questionava sobre isso, sobre os papéis sexuais dos símbolos. E ela de certa forma me meteu o malho, com razão. Às vezes a gente foca muito no gênero das cartas e esquece no fim o que importa é o sentimento delas. Se a gente for pensar bem, o 2 de copas no Tarot de Marselha é duas taças e ponto. Não existe homem ou mulher ali nem pessoas cis ou trans ou não-binárias, muito menos héteros, gays, bis, lésbicas, assexuais e por aí vai. No dois de copas, existe duas taças, dois desejos, duas ideias de amor que se irmanam no desejo. Amor é amor e quando eu te amo eu me torno igual a você, você se torna igual a mim. Então levantamos o cálice, e bebemos de prontidão, sedentos.
Amor é amor, este é o mais elevado dos arcanos, arcano XXIIII, que transcende o próprio baralho, carrega a luz do sol e a inteireza do mundo em si. Se amem e amem os outros, porque no amor somos todos iguais, devoção e fragilidade dos corações que tremeluzem no desejo.
Você sempre me surpreende com suas ideias, gratidão por isso.