Eremita observa o peremptório. Me ponho a refletir até que ponto a vida cabe ser nossa. Que talvez não sejamos nosso corpo, que um dia acaba, nem nossa alma, que talvez não exista. Somos os nossos atos. Somos o que deixamos pra trás. E somos o que não seremos.
Pra mim a gente só entende o que uma pessoa foi por completo quando ela morre. Porque aí não tem mais o que fazer sabe, o show acabou, alguns vão aplaudir e outros já saíram da peça antes. Muita gente chora no final. A vida quando acaba, ironia: é sempre tragédia.
Mas a luz que a gente cria em nós mesmos, no ato de esculpirmo-nos, de fazermos nosso papel, nosso propósito, este é sempre o final feliz para além da morte. Mas o criar-se a si a mesmo, o vir a ser o que se é não se faz de maneira rápida sobressaltada. O Eremita sabe disso. Ele viveu o suficiente pra criar sua luz. E quando tudo acabar, a luz continuará, mesmo que o corpo cesse. Mas ele anda devagar pra que esta hora não chegue logo. Ele quer tempo.
Por que negamos o tempo? Queremos sempre tudo agora, na hora, perfeitinho, em laço de fita. Mas se tudo vier na hora, o que nos resta é a morte. Queremos apressar a vida esquecendo que apressá-la é evitá-la, abraçar o oblívio. Encontrar o nosso tesouro leva o tempo de toda uma vida. Não é isso que o arcano VIIII procura? O claro na treva, o que é luz no peremptório das coisas?
Quanta coisa às vezes precisamos renunciar pra ter clareza. E então não encontramos nenhuma resposta. Mas não porque não exista. Talvez porque simplesmente o processo, o andar vagaroso e a procura já respondam tudo. Aquilo que renunciamos tira o peso dos nossos ombros, nos ajuda a andar no caminho, por mais vagaroso que seja. Acredito que se não há nada pra eu iluminar com o lampião, talvez a única que eu precise seja a luz que criei ao renunciar o que deixei pra trás.
Clareza, a consciência do que perdemos. Certeza que a única coisa certa é a morte. Mas isso não é motivo pra medo. É motivo pra aproveitar as coisas. Tentar ser devagar num mundo tão acelerado, nesse atropelo de informações. Não ter medo de ver um filme europeu só porque é lento. Não correr dos calhamaços nem dos estudos longos. É saber que qualquer trabalho, qualquer saber nunca se conclui, prolonga-se no infinito. Que mente sábia é a do eterno aprendiz. Se paramos de buscar alguma coisa, estamos fadados a morte. Eu espero que hoje nem eu nem vocês leitores morram. Vamos procurar nossa luz. Vamos andar devagar. A morte virá quando todo o trabalho estiver feito. Por isso, nada de pressa: muita prece.
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