Ver a estrutura do Tarô de Marselha, ainda mais para um escritor como eu, é observar narrativas em quase tudo. Em sequências das cartas, em colagens, pontos que se contornam de uma carta pra outra, estruturas dos arcanos menores se repetindo nos maiores, tudo isso vai criando micro e macronarrativas, algumas óbvias, outras nem tanto. E hoje temos um casamento: arcano III ao arcano VI.
Século XV. A Imperatriz, mulher prometida ao império com seu objetivo principal de gerar novos imperadores, observa de soslaio aquele que será seu marido, O Imperador. Ele faz pose, tenta causar boa impressão, se mostrar mais homem do que talvez seja, em seu trono, escudo deixado de lado, não quer parecer inseguro. Ela contudo tem reservas, tenta não manifestar seus sentimentos, escudo em mãos, tenta se proteger da flecha do Cupido. Mas seu sutil sorriso já demonstra o interesse em ser a mulher maior do reinado.
Lentamente a aproximação se forja, os tratados são postos em prática, o casamento entre dois impérios é arranjado. Chegado o dia, a figura dO Papa, autoridade máxima da igreja, é aquele que sela o contrato máximo. Começa pomposo, lendo trechos da Bíblia, o princípio da Gênesis, começa a contar toda uma história sobre amor, firulas e firulas, aquela coisa clássica de casamento. Nessas horas é como se o tempo parasse.
É um casamento. Para os noivos, o tempo realmente parou. Enquanto o sim não é proferido, tudo se imobiliza. O Cupido, cegueira da razão, arqueja a seta da paixão que dará a grande resposta. Aceita O Imperador como seu legítimo esposo para guardar e proteger, na saúde e na doença, até que a morte vos separe? Sim ou não? Sim ou não? Os relógios travam. As estações se imobilizam. É a hora do kairos. A decisão definitiva. Sim ou não, não ou sim? Ora, estamos no século XIV, claro que foi um sim. Fim da novela, aplausos, o novo casal sai correndo pra cumprir seus votos. No fim das contas eles só estavam pensando naquilo.
No século XV ninguém tinha televisão.
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