Aqui a gente tem um filme que qualquer cartomante haveria de assistir. Por quê? Simples: é talvez um dos poucos filmes onde as cartas realmente significam mais do que uma mera superstição, algo que inserem pra mover a história mas não necessariamente vai ter um significado, uma função real. Aqui as cartas realmente tem funcionalidade no enredo. A história começa a partir delas e realmente se desenrola nelas. Os acontecimentos, os personagens, o fim do filme. Tudo é o jogo, a mesa, a nossa protagonista consultando as cartas no princípio do filme.
Assistir esse filme é acima de tudo, - para cartomantes, claro -, brincar de ver as cartas funcionando no enredo. Elas são tão fundamentais que o filme é inteiro no preto-e-branco mas no começo do filme, quando elas aparecem, é sempre em cores. A vida pode ser preto no branco, mas as cartas não. Precisamos entender o colorido delas para entendê-las, para vê-las funcionando na vida. Porque a vida, sim, é realmente um tédio. Mas as cartas são esse momento de cor no universo. A verdade nunca é monocromática.
E a verdade para Cléo é um assombro. Ela está realmente confrontando a fatalidade. A grande questão é: as cartas vão errar? Pra quem assiste e entende tarô ou o le grand jeu de Madame Lenormand, ambos os oráculos utilizados no filme, é fácil perceber que as cartas nessa trama acertam, - e muito. Mas isso significa que nossa personagem está presa ao seu destino, abraçada pelo fado? Só assistindo pra descobrir.
Eu sinceramente não entendo nada do grand jeu da Mme. Lenormand, me abstenho de falar sobre as cartas presentes nele, mas posso falar do Marselha que é meu carro chefe, ora. Cleo é uma Imperatriz pendurada. Frente ao seu destino que a imobiliza, tenta se ater a indulgências, aos seus confortos diários: roupas, beleza, joias. Anda pelas ruas prestigiadoras a procura de distrações, do papear das pessoas, das atividades, das lojas, tenta evitar o Arcano Sem Nome, evitar a Torre, ambos invertidos, saídos pra virar e revirar a cabeça dela. O filme inteiro é essa mulher linda, realmente uma imperatriz, pensando na ideia de se tornar velha, decrépita, esqueleto. Ela tem medo da finitude e tenta perseguir divertimentos ao tempo que não consegue escapar dessa angústia pela verdade que vem de foice, que cai como relâmpago.
O filme se passa de 5 horas da tarde às 7 horas. Mas o filme só tem 1h30m? O destino está nos traindo por acaso? O filme durar menos que o tempo escrito no título é um trair a própria trama? O tempo não é tão longo para Cleo. Talvez não precisemos dos trinta minutos restantes. Quando o filme acaba, os trinta minutos que restam são pra digerir, mastigar o tutano dos pensamentos. Esse é um filme onde as cartas são muito sinceras. E por isso vale a pena assistir. É só duas horas de filme, quer dizer, uma e meia. Não precisamos dos trinta minutos pra saber o que vai acontecer às 7 horas.
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