Ao ler O Livro do Destino de Senerto E. Nidarmano há uns meses atrás, numa página referente ao arcano 0, foi-se mencionada uma frase de William Blake: "Se o homem persistisse em sua loucura, tornar-se-ia um sábio". Ao ler aquilo, uma ideia veio a mente: o Louco que encontra o Eremita no meio do caminho. Ou o louco que de tanto persistir na própria loucura, torna-se ele próprio o Eremita.
Quando eu comecei meus estudos, já cheguei a ver pessoas falando sobre essa ideia do Louco-Eremita mas é hoje que mais e mais eu sinto esta correlação tão enorme. O Louco de certa forma é todas as cartas por ser o eterno andarilho, o coringa que está em todo desdobrar dos trunfos. Mas quando eu vejo esse arcano-vento frente ao velho do candeeiro, parece que a loucura pode ser tudo, mas principalmente esse velho senil.
Dois homens de cajado que andam mundo a fora, ambos carregando algum objeto em mãos. O Louco na sua inconsequente inocência anda descompassadamente, é jovem, não tem ainda a devida iniciação, mas o mundo e o abismo o abarcam. Já o Eremita viu tudo que podia ver e se volta pra trás, observa onde outrora passou, quando nada sabia, ele que agora tudo sabe, tudo esquece e abandona. O lenço de tralhas se transmutou num luzeiro, a roupa de bobo da corte, do vermelho-impulso, foi acobertada pela sobriedade do azul escuro. O chapéu com guizos foi jogado fora, não precisa mais se exibir pra ninguém nem fazer troça. O tempo traz um silêncio dadivoso e uma luz assombrosa.
O Louco anda-andou tanto que encontrou a si mesmo no futuro, o não-iniciado encontra o monge, o guru, aquele que vai te ensinar o que ele próprio um dia, como louco, aprendeu. Diz-se em certas culturas zen que o aprendiz se perguntava ao mestre "O que eu preciso fazer pra alcançar a iluminação" e recebia como resposta uma agressão, uma paulada, às vezes era arremessado da janela. Por fim, o sábio zen dizia: mais alguma dúvida?
Essa violência, esse cair da janela, não seria um aprendizado da sabedoria de quem já observou a Roda da Fortuna? Spes, regnabo. Gaudium, regno. Timor, regnavi. Dolor, sum sine, regno. Estar iluminado é saber subir e cair com o mesmo luxo, o mesmo lixo. O Eremita é aquele que de tanta porrada apreendeu as estruturas. O Louco ainda vai conhecer tudo isso. Mas nesse ponto onde os dois se encontram, os três tempos, passado, presente, futuro, se conjugam numa coisa só: presença.
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