eu nunca aprendi a lidar com o dia dos namorados mesmo se eu tentasse racionalizá-lo, mesmo que eu desse ouvidos pros meus amigos falando que é data comercial eu nunca aprendi a lidar com o fato de existir essa data onde as pessoas se dão flores bombons jantar a luz de vela beijos cópula e nas redes sociais fotos e textos surgem como uma galeria de gatilhos pra me lembrar que eu sempre fui assim sozinho, XXI anos assim sozinho e eu me sinto tão pequeno tão amargo tão rancoroso e cruel, que é como eu disse pra uma amiga minha que eu sou tipo cana de açúcar um doce um doce mas se a cana azeda ninguém bebe
eu olho as fotos felizes os textos de casais e toda aquela alegria e eu sei no meu íntimo na minha parte mais cérebro mais entranha que é tudo propaganda, tudo floreio, advertising de coca cola, não, a maioria dos casais não são felizes como pinta esse outdoor mas o meu coração iletrado do amor inveja até essa mentira porque pra quem não experimentou tantas gamas das experiências do império-Vênus só me resta essa inveja que escorre enquanto minha cabeça entupida de blockbuster sonha sonhos maiores que minha própria vida
sim eu assisto filmes românticos eu sonho coisas lindas pra minha vida coisas que numa maioria nunca aconteceram, me sinto desconexo da humanidade no dia dos namorados não eu nunca recebi flores bombons jantar luz vela mais fácil eu receber uma facada et tu brutus que bruta solidão quando o dia é dos namorados e a noite dos dependurados, arcano xii paralisia insônia, meu travesseiro me sufoca com pensamentos desconexos flashfowards de ansiedade a ideia de coisas que não aconteceram mas eu acredito na minha mente, sim o contato humano é essa coisa supervalorizada mas eu sou humano demais pra subestimar o toque , o toc obsessão ideias feitiços fetiche prognóstico repetitivo travamento do sistema cardíaco quando eu penso em tantos dias que eu dormi deitado com a minha própria tristeza
o bom é que amar me ensinou a ser assim meio turvo meio sangue meio névoa sustância de sonho & sofrer me ensinou a andar como quem dói escreviver como quem sangra e se apaixonar como quem está crucificado, pendurado, enforcado, acorrentado, prometeu carcomido por abutre e então eu digo que sofrer tem seus luxos que amar sem ser amado tem seus atributos, que talvez eu não soubesse ouvir Miles Davis se eu fosse muito alegre, que eu não saberia chorar direito se eu tivesse sido bem desejado e reciprocado por entre esses anos de efusiva e cortante atribulação
que talvez as noites mais duras e os desejos mais sufocantes, os sonhos mais delirantes, a vontade oblonga de dançar ao som de Dream a Little Dream of Me de Ella e Armstrong, a vontade de me sentir mais do que minha própria carne e desconhecer a mim mesmo e me encontrar no outro, todas essas coisas não teriam poder e intensidade, não teriam fúria e fogo se eu soubesse o que é viver um dia dos namorados sendo enamorado, se eu não fosse essa pessoa um tanto triste um tanto quieta um tanto sonho um tanto sofreguidão
então eu passo mais um ano só sabendo o fel da palavra felicidade, carregando um desprezo discreto pelas pessoas que sorriem sempre com suas mãos dadas abraços e lindas histórias que nunca vivenciei na própria pele porque eu nunca aprendi a contar histórias bonitas quando eu só lembro rejeições, repressões, desejos guardados a sete chaves e a minha benevolência de querer transformar a dor em algo bonito e sagrado .
talvez se eu fosse muito feliz
eu não seria capaz de ser sempre assim
tão sincero, tão sangue, sanha, sonho.
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Comecei rindo terminei chorando. Entendo bem o texto todo. Pota q pariu, Conrado.