Como é ser tudo, infinitesimalmente todas as possibilidades e caminhos contrapontos contrapostos sob uma rua de infinitesimais cabeças braços seios corpos formas tudo tudo tudo tudo senhor dos céus como é ser tudo, me diga Deus, que entender o mundo é entender essa coisa verdade verdadeira: um é tudo, tudo é um. Mas o que é um todo integrado, o que é esse estar unificado? Seria quem sabe um fluxo de consciência digno de uma aglutinaçalavras de Jamesoyce em Finnegansake? Ou está mais uma pra uma coisa bem testamento judaico, um Deus onipotente onisciente onipresente? Quem sabe umas deidades hindu de infinitos braços. Quem sabe o Mundo é tudo isso, tudo, sem tirar nem pôr. Mas ser tudo é também ser acima de tudo eu mesmo.
Entender O Mundo é entender que tudo, essa jornada de trunfos e naipes, arcanos e arcanos, nos leva a ele, converge nele, vivê-lo é estar tocando o chão onde vivemos. O Mundo é a verdade verdadeira, “verdade sem mentira certo muito verdadeiro” da Tábua de Esmeralda do Três-Vezes-Grande. É também a Tábua de Esmeralda do Jorge Ben. E é a Tábua dos Dez Mandamentos. Tudo que é pedra, que é chão, que é mineral, eis O Mundo. Mas o mundo é também a água, o fogo, os elementos todos que proporcionam isto que chamamos de universo e espaço e tempo.
Mundo é a gnose absoluta, o estar em Deus, o encontrar o seu papel no mundo. Quem é que realmente alcança O Mundo nesse mundo? Se sentir encontrado, sentir que não precisa mais mentir. Que finalmente alcançamos aquilo que somos, absolutamente, um estado de pureza, de depuração.
Se no Mago temos a meia-verdade, a pantomima, o teatro, o espetáculo, a enganação, aqui não precisamos mais mentir. É tudo verdadeiro, é tudo absoluto, perfeito demais, tão perfeito que não cabe na cabeça, não cabe na humanidade, não cabe na própria vida. Receber O Mundo em uma tiragem é sempre receber um papel escrito Mundo, porque não temos o aporte pra receber realmente a verdadeira totalidade-mundo, a infinitesimal coisiforma que é o universo, o pluriverso, existe seja lá algum multiverso nisso tudo-tudo? Não temos corpo o suficiente para aportar todos esses mistérios. Mas temos corpo pra aportar um lugar, um estar, o eu como eu mesmo, o saber quem você é na multidão.
Vendo todas as pessoas andando nas ruas, todas as faces, o chão, o céu, as aves, automóveis, prédios, pensamentos, sonhos, os leões, touros, anjos, águias, os quatro evangelistas, encontramos quem sabe nosso lugar, nisso tudo, a capacidade de saber finalmente quem somos, em que mandorla podemos nos ajeitar e dançar recebendo os louros da vitória bem merecida sobre aquilo que pensávamos ser o que somos.
Todo prestigiador quer ser Mundo. Todo Mundo é prestígio manifestado, espetáculo tornado verdade, sonho feito matéria, transfiguração como a de Cristo-Moisés-Elias.
Porque há quem diga que no centro dessa carta, eis o messias, Cristo que surge depois do Juízo Final, triunfal, cercado dos evangelistas, trazendo o reino dos reinos, a Jerusalém Celeste, o fim do livro do Apocalipse. Viver O Mundo é essa eterna utopia de algo que queremos alcançar mas ainda nãos estamos prontos para conhecer. “Senhor eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”. Quem vê o céu ou vai pra lá ou fica Louco.
O que é o paraíso? Uma ideia, uma abstração, uma meta... Quem sabe o pote de ouro no fim do arco-íris. E viveram felizes para sempre. Mas o que existe no dia após o felizes para sempre? Talvez um êxtase que nunca se encerra: nirvanas, ain sofs, taos, o belo... Tantos conceitos para definir o que é alcançar o centro de todos os centros, o ponto que não é um ponto.
Vivenciar O Mundo é saber que existe uma beleza para além de todas as belezas. Este Belo que se manifesta em infindáveis formas, a experiência da divindade que se divide e multiplica para vivenciar toda sua indescritível capacidade.
O que existe no ruflar de uma borboleta, no olhar da pessoa amada, no movimento suave de um bambuzal, na dança contínua de um corpo, no suave sono de um urso, na moldura de um quadro velho na parede, em um conjunto de cartas, num cachimbo aceso, em um chão cheio de pedregulhos, num corpo morto, o que existe em comum, senão Tudo?
Somos um rei que sonha ser uma rainha que sonha ser um príncipe que sonha ser uma princesa. E a Grande Obra talvez seja entender que somos simultaneamente todas essas possibilidades, essa imaginação ilimitada, essa eterna fantasia de uma beleza que não pode ser compreendida na mera racionalidade.
Ao tempo que é o duro tau, que é Malkuth, o Reino, o Mundo também é Saturno, também é Binah, o Entendimento. É a Princesa sonhada por tantos, almejada, indescritível. Uma ideia sublime que ressoa por todos os tempos, jamais alcançando sua plena integridade. "O vidente está perdido no maravilhamento, que é a Paz".
Se eu tentasse chegar a uma conclusão sobre o que é o paraíso, o que é o final feliz, o que é o pote de ouro no fim do arco-íris, eu estaria perdendo meu tempo tentando definir algo que não cabe a mim ser definido. É como definir o divino, o belo, o intransponível, é como definir o particular em cada essência. Seu paraíso não é o mesmo que o meu, mas igualmente prazeroso. Celebremos cada qual nosso Reino, vivamos nosso papel na pátria universalidade. Para cada tau, seu tao.
93, 93/93.