Quando alguém te ensina o que é o bem, quem é que te ensina o mal? Se a gente só aceita as palavras do Papa, como que se enfrenta o Papão? Porque de V pra XV é só um X. Só um pulo. Todo Papa é papão, todo papão é Papa. Os dois ensinam uma didática. Ambos tem incontáveis seguidores. Ambos senhores de uma verdade. O bem e o mal são verdades absolutas pra eles. Eles não consideram um meio-termo, o cinza, o lançar dos dados prestigiador. Ou é Deus ou é o Diabo na Terra do Sol. Não tem Glauber Rocha que filme esse filme. Não tem rocha que aguente essa briga infinita.
O V te ensina: é proibido pisar na grama. O XV te indaga: é verdade isso? Cairás em tentação, ó jovem? Primeiro a gente aprende o que é certo pra depois aprender se pode fazer errado. Não dá pra ser sempre santo. Ou dá, né? Primeiro a gente aprende o que é o pecado pra depois confrontá-lo. Cristo primeiro transformou água em vinho e aí sim foi pro deserto, pro jejum do absoluto. Primeiro o V, depois o XV.
Eu acredito num Papapão, uma coisa indissociável, que quem ensina o certo também ensina o errado e vice-versa. Todo mocinho carrega sua sombra, todo vilão é um herói pra alguém. Tem algo no transgressor que me comove mais do que o salvador da novela. Talvez seja o fato que ele é mais sincero. Quando o vilão rouba o beijo da mocinha, você sabe que é a natureza dele e você o despreza. Mas o mocinho roubar o beijo da mocinha sempre faz o público apaixonado passar pano pra seu ato de instinto e maldade. Afinal, é o herói, foi um momento de fraqueza, ele está apaixonado. Mas roubar um beijo não seria errado não importa o papel do personagem?
O Papa promete o inferno pra quem discorda, o Diabo fala: o inferno é tão ruim assim? Você prefere ficar quarenta dias jejuando ou quarenta dias num banquete? Uma vida de luxúria e haréns ou um celibato monástico. O que o V tem como certo, o XV, tendo o X em si, joga o V pra fora da Roda da Fortuna. A virtude é indelevelmente escrota, o pecado talvez não seja tão ruim. Tomai e bebei do meu cálice de ossos, canta Lord Byron num soneto de suas tramas rebeldes e incestuosas. Nem o Papa nem o Papão são um fim em si mesmos: a jornada não acabou, cada um entregou sua verdade, qual você escolhe? Ou não escolhe. Pra mim pecar é como rezar, exige prática constante. Não acredito em perfeição do bem ou do mal. Ambos são um.
Eu acredito nas sutilezas do cinza: todo Papa é diabólico, todo Diabo é um anjo. Porque os dois no fundo no fundo do profundo são igualmente professores, igualmente dogmáticos, igualmente alienantes. Pra mim é bom quem escuta os dois e não abraça nenhum. Ou abraça os dois. Porque Papas já incineraram tantos inocentes quanto o Diabo vitimou pessoas ao inferno. Jamais passarei pano pra Idade Média, muito menos para a ostentação que a igreja até hoje possui. Falar de renúncia e pobreza com um báculo de ouro na mão, isso é um pecado. Isso é hipocrisia. É diabólico.
Os vendilhões do templo são santos por acaso? O Cristo mesmo não era diabólico nem papal. Ele era um arcano do além. Estabeleceu uma ideia de igreja mas não a viveu, negou o inferno mas precisou confrontá-lo mesmo assim. É sagrado aquele que abraça o divino sem causas, sem grupinhos, sem autoridades ou professores. É real autoridade aquele que está acima da ideia de autoridade. V + XV = XX. O verdadeiro juízo reside naquilo que já carrega os dois polos e os renega por igual. Divino é quando rezo ou peco por conta-própria. E aceito as consequências.
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