O tarô em seu aspecto lúdico
No final do primeiro livro da trilogia de estudos do Nei Naiff, ele acrescenta diversas citações de uma variedade de autores sobre o que Tarô significa, cada qual dando sua visão particular sobre. Abaixo, ele deixa uma linha aberta ao estudante para que ele escreva o que ele considera que o tarô seja. Penso em escrever: o tarô é um brincar com os símbolos.
Pra mim faz sentido, ainda mais quando refletimos toda a explicação histórica presente no livro. A história do tarô-oráculo-esotérico-ocultista é precedida pelo tarô como produto lúdico, ludus cartarum. Inclusive é a partir da estrutura dos naipes que surgem por conseguinte os baralhos que hoje usamos em jogatinas, seja pôquer, trunco, buraco, o jogo que for. Das 56 cartas surgiram o baralho francês, o espanhol, português, dentre outros, cada qual tirando algumas cartas, criando suas exceções.
É só a partir do século XVIII que vagarosamente as cartas vão tomando outra tônica, culminando na explosão ocultista e cabalística nos séculos XIX e XX. E aí o taroccho passa a ser um conjunto de mistérios, os arcanos. Porque antes da palavra arcano o que tínhamos eram trunfos e naipes, ponto. E cada família que criava suas cartas tinha suas particularidades. Haviam cartas que serviam pra jogo, outras eram didáticas e há historiadores que consideram o surgimento do Tarô estando relacionado a criação de cartas para o ensino de crianças.
No fim das contas parece que o tempo passou e estamos nesse século de tantas informações, papos e coisas por se descobrir. Hoje sabemos o valor oracular do Tarô mas ignoramos que primeiro ele era um jogo, uma brincadeira de criança. Que essa história de Egito, de Moisés, Atlântida é só firula pra tentar engradecer a história de algo que já é grande por si só. Uma arte mística não precisa começar saída de um meteoro ou escrita num hieróglifo. Se ela começar na mão de uma criança, brotar num jogo de bafo no recreio, se ela for pequenas imagens estranhas contudo encantadoras, já basta, já é grande o suficiente e maior que a vida.
Pra mim não existe nada melhor que brincar, que se divertir. Eu não quero me vestir de terno, botar um adorno iniciático e falar de trechos de algum livro obscuro pra falar das cartas. Eu pego o arcano dO Sol, símbolo da clareza, das coisas puras e verdadeiras, e eu vejo duas crianças. E elas se tocam, elas brincam, elas conversam. Isso é toda a clareza que o Tarô precisa: brinca-brincadeira, ciranda cirandinha, amarelinha, bafo e pique-esconde.
Vai me dizer que a jornada dO Louco não é uma ciranda? Ou que o Mago não gosta de brincar com aquele monte de itens na mesa? Que talvez a Sacerdotisa não leia Bíblia nenhuma, tá lendo Sítio do Picapau Amarelo? Eu não duvido nada. Brincadeira de criança, como é bom, como é bom. E pra mim o Tarô é a brincadeira pra todo mundo. Com quantos paus se faz uma canoa? Talvez com um III de paus. O jarro é de ouro, bate no Touro do arcano XXI. "Eu vejo com meus olhinhos..." diz o Pendurado pro consulente. Acho que brincando de construção ninguém teria medo da Torre. É muito bom demolir aqueles castelos de madeira. E que criança já não nadou pelada na piscina que nem A Estrela? Vamos brincar de símbolos, minha gente, vamos olhar pro Tarô com técnica, mas também com ternura.
O tarô é um brincar com os símbolos.