Por que eu trabalho com tarô?
Às vezes essa pergunta me vem à mente na forma de uma ventania, um suspiro, um silêncio incômodo em horas tristes: por quê? Existe tanta gente boa nesse meio, tantas pessoas que sabem muito mais do que eu, pessoas dignas do meu respeito e admiração e que de certa forma calcaram o solo em que hoje eu e tantas pessoas novas nesse meio trabalham. Por que trabalhar com um emprego desses que, apesar de prever o futuro, é tão imprevisível? Somos autônomos, não sabemos o que o amanhã nos trará mesmo que as cartas nos digam. A vida, as pessoas, a realidade por vezes se mostra tão imprevisível quanto o relâmpago da Torre. De sobressalto surge e nos arremessa ao oblívio.
A vida é um andar no escuro, as cartas às vezes são só uma velinha nos ajudando a andar. Mas às vezes é uma luz que, por menor que seja, ilumina como o sol, é aconchegante como o colo de uma mãe. E é nessas particularidades do trabalho oracular que eu me sinto em paz. Oráculo e a palavra boca tem uma relação etimológica. É preciso saber falar, é preciso saber ouvir. E quando trabalho, aprendo a ouvir, aprendo a falar. Aprendo a ser cada dia mais humano em meio as interações com cada pessoa que me surge no caminho, sejam os consulentes, sejam os oraculistas.
Sei que não agrado todo mundo, não nasci pra isso e cada dia percebo mais. Sei que algumas pessoas dirão que eu sou extravagante, aberrante, depressivamente excêntrico e que não cabe a pessoas como eu um papel tão silencioso e oculto. Mas se eu aprendi algo em cinco anos de estudo é que o tarô é narrativa, é vida e trama, poesia incomensurável. E as histórias que se fazem em segredo tornam-se diários, as que se fazem no cada dia, estas se tornam os clássicos.
E ser tarólogo é ser sempre essa presença meio chiaroscura, que não se mostra por completo mas sempre está presente, como um farol cuja luz vai e volta guiando os barqueiros. Se calássemos nossa luz, que seriam dos navegantes? Nestes cinco anos, joguei para uma infinidade de pessoas, cada uma com suas particularidades, mas todas sendo personagens da roda do mundo. Algumas pessoas viraram minhas maiores amizades, outras nunca mais vi, algumas me procuram frequentemente, outras não, mas sei que em algum ponto, fui o colo e o alento que precisavam.
E em algumas consultas ri, em outras chorei, mas em todas estive presente, fiz o meu papel.
E se eu trabalho com tarô, mesmo sendo assim, meio estranho meio turvo meio poeta meio desvario, é porque no fim do dia, alguém que procurou minha luz conseguiu colocar seu barco em terra firme depois de pescar o peixe nosso de cada dia. E essas pessoas muitas vezes, quando menos espero, me agradecem, conversam comigo, me procuram, fazem com que eu me sinta menos sozinho. Sei, no fundo, que cumpro aquilo que está para além de mim.
Traduzir a divindade é dar colo aos que precisam.