Há momentos que nos fazem rememorar doces sentimentos. Às vezes, no íntimo de uma dor reencontramos a alegria na lembrança daquilo que nos sobrou de bom. Ou aquilo que existiu e valeu a pena por mais que agora seja só memória. As seis copas tem o aroma de um bolo de avó. Ou o toque suave do sol em um dia de outono. O aconchego de um sofá enquanto assistimos nosso programa favorito na televisão.
Aqui não necessariamente temos só a nostalgia mas também a ideia de um sentimento confortável ao ponto de parecer infantil, um contentamento de criança, desses que a gente pensa que não pode ter depois de certa idade mas ainda existe em algumas coisas por vezes tão pequenas ou insignificantes. Após as lágrimas do cinco, o sal do dissabor nos faz recuperar o mel daquilo que ainda vale a pena.
Há coisas significativas. Talvez não num sentimento amplo mas naquele em que existe a particularidade. O abraço da nossa mãe é somente para nós o abraço dela. A fragrância da pessoa amada somente causa a nós similar arrebatamento. Porque há certos contentamentos que só cabem ao nosso íntimo, alegrias que nos fazem recuperar a crença na ideia de que existe beleza até no céu nublado.
Há certos dias onde a alegria só se faz plena no ato de procurá-la e de tentar serví-la. Como uma mesa farta que nós mesmos dispomos para quem amamos. Como um jardim que semeamos pela ideia de ver uma flor surgir. Como um sorriso que entregamos a um estranho na rua. O mundo pode ser desolador mas cabe a nós confiar nas pequenas alegrias que existem nas frestas de cada instante. Alegrias passadas, presentes e, se colocarmos nosso coração, quem sabe futuras. O que te motiva a sorrir?
O seis de copas é uma carta de certa polêmica. Para muitas pessoas o significado geral da carta vai sempre pender para a ideia definitiva de nostalgia e isso por vezes chega ao ponto de uma carta agradabilíssima ser reduzida a tristeza daquilo que um dia foi e não mais está presente. Essa visão é um erro? Não necessariamente. É só um reducionismo.
Reducionismo? Sim. Pegar um dado contexto de amplas significações e reduzi-lo numa unidade significativa. Tomemos como exemplo o tarô de Waite com suas criancinhas. Uma entrega a taça para a outra, aqui já temos uma primeira ideia: afeto genuíno. São crianças, logo, temos inocência. Os vasos tem flores, temos a ideia de beleza e crescimento. Isso acontece numa cidadezinha cheia de casas, o que traz a ideia de aconchego, algo cômodo.
Se pegamos todas essas significações e reduzimos a chave nostalgia, de certa forma faz sentido: tudo que nos evoca a essa ideia tem realmente o clima de casinhas ensolaradas, crianças brincando e vasos de flores. Mas a nostalgia também traz a ideia de algo muitas vezes inalcançável e essa é a grande questão, - o seis de copas pode e geralmente proporciona a alegria que nos apresenta. Afinal, é um seis de copas, não é um cinco onde realmente a alegria foi reduzida a dor, ou um sete onde a alegria é uma desilusão. O seis é sim uma alegria cujo tom pode ser nostálgico, mas se faz presente e atuante.
Esse arcano me lembra uma das minhas passagens favoritas do I Ching, O Livro das Mutações. No hexagrama 61, conhecido como Verdade Interior/Sinceridade, onde a Suavidade (Sun) prevalece acima da Alegria (Tui), uma das linhas governantes é a segunda, cujo presságio assim diz:
“Um grou canta na sombra. Sua cria responde. Tenho uma boa taça. Quero compartilhá-la com você.”
Aqui temos uma ideia pura daquilo que podemos considerar amor genuíno. Uma ave canta onde não pode ser vista e sua ninhada, mesmo sem vê-la, compreende e responde. Richard Wilhelm assim comenta sobre essa linha do hexagrama e faço dele minhas palavras:
“Onde há um ânimo alegre, sempre aparecerá um companheiro para compartilhar uma taça de vinho. Esse é o eco que uma empatia espiritual desperta nos homens. Quando um sentimento é expresso com sinceridade e pureza, quando um ato é a manifestação clara do que se sente e pensa, exercem uma influência misteriosa que se propaga mesmo à distância.”
O Seis de Copas no Tarô de Thoth é conhecido como Prazer. Crowley gostava de ser mais específico que seu adversário da Golden Dawn. Realmente, existe algo mais prazeroso do que uma alegria sincera? Essas alegrias são tão notáveis e fazem impressões tão marcantes em cada indivíduo que realmente nos fazem pensar em nostalgia. Porque um bolo de vó realmente marca alguém pela vida inteira.
O colinho de mamãe, a alegria de um brinquedo recebido no Natal. São sentimentos de um êxtase que supera o banal. Mas não fiquemos só na infância... O primeiro beijo é seis de copas, segurar um recém-nascido no colo é seis de copas, ouvir sua canção favorita, seis de copas. Olhar nos olhos da pessoa amada num silêncio gostosamente incômodo, seis de copas.
Se eu fosse descrever esse arcano não diria Nostalgia, não diria sequer Prazer. Eu diria Contentamento. Eu diria Júbilo. Eu diria daqueles momentos onde você diz: estou tão feliz que a vida poderia acabar nesse exato momento e nada seria em vão. Nada foi, nada será, nada é em vão, quando o coração está tocado por uma benção.
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