Esse texto remoeu em minha cabeça por semanas. Queria nascer mas era rejeitado. Com o tempo se tornou irremediável, inevitável, louco, deveras louco. Tentei a todo custo evitar aquilo que não tem e jamais terá valor. Arcano não numerado. Sem valor. Alguns tentam rotular de zero ou vintedois. Mas pedinte que é bom pedinte ganha esmola de qualquer um. Seja o um, o dois, o vinteum. Ser o sem valor é estar sempre a procura do valor, do pão nosso de cada dia.
Se o arcano-nada não tem numeração, ele pode procurar auxílio de qualquer número. Le Mat me lembra o conceito latino de Tabula Rasa, a mente não sendo provida de qualquer valor inato e criando seus valores a partir da experiência com o meio. E há quem discorde essa ideia, acreditando que nascemos com certas noções que o meio não nos dará. Nascemos já sendo o que somos ou nos tornamos num vir-a-ser? Acho que nosso nada-arcano não se importa, simplesmente tá nem aí pra nada.
O ser humano, penso, é e não é uma tabula rasa. Nascemos já com instintos animais. Um bebê sabe que quer alimento, chora com fome, quando se suja, quando tem necessidade. Temos instintos, uma fera rasga nossas loucas vestes, nos guia-ataca frente o caminho da existência. Tentamos negar a todo custo essa natureza nossa. Queremos ser racionais, apolíneos, senhores da ciência, para além do animal. Tolice. Choramos como um bebê quando não temos o que queremos.
Mas ao mesmo tempo somos tabulas rasas. Temos todo um arcabouço de instintos e animalidades que nos são naturais, mas a experiência intelectiva, o processo solar do saber é realmente um agregar esse quadro branco de informações, é sempre procurar mais e mais algo mais para além do que já temos. Ler livros, assistir filmes, vivenciar coisas, rir, chorar, sofrer, ter prazer, prazer até na dor.
A tabula rasa é nossa tabula casa. Nossa tabula rua. Dê um rolê e você vai ouvir/ Apenas quem já dizia/ Eu não tenho nada/ Antes de você ser, eu sou./ Eu sou, eu sou. O nome do Senhor é Eu sou o que Eu sou. O Louco é o que é a procura de ser o que ser. Por isso não tem valor. Seu valor é o esvaziamento desse não-valor. A procura eterna de algo que preencha seu vazio. Consigo imaginá-lo uma tabula-rua. Uma tabula-taça. Taça vazia na ânsia de ser preenchida. E mal enchemos, se esvazia de novo. O líquido em si não é importante, seu sabor ou substância não apreendem o que é preciso.
O arcano-pária procura somente a experiência. Quer sua taça sempre vazia para sempre enchê-la e logo em seguida esvaziá-la pra enchê-la. Mais me vale a aventura do que a finalidade. Ter um fim é uma ideia demasiado absoluta. É como se fosse uma morte mais morte que a própria morte. E eu quero a vida eterna do vazio. A eternidade do desvalor. Andar por andar, andarilho do imanifesto.
“Imanifesto é o princípio dos seres; manifesto o seu estado intermediário; e imanifesto é também o seu estado final. Por isto, ó Arjuna, que motivo há para a tristeza?” - (Bhagavad-gītā 2.28)
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