O que o Eremita e a Roda da Fortuna tem em comum: o movimento contínuo. Um é o movimento ensimesmado, essência eterna do roda mundo, roda-gigante, roda moinho, roda pião, - o outro se adequa a esse movimento. Mas o velho homem não segue o ritmo do destino, caminha no seu próprio, cuidadoso, engessado, cajado em mão, passagem prudente: tempo-rei.
O Eremita é arremessado pra fora da Roda por não conseguir viver a mesma velocidade dela. Tendo vivido tudo que esse movimento infindável causou, carregando em si as marcas dessa roda, os atropelos dela em sua corcunda, não ousa mais seguir o ritmo do aeterno: entrega-se ao íntimo andarilhamento. Quando vivemos muito, não nos importamos muito com o que a vida vai nos entregar. Nos preocupamos só em mover a roda por menor que seja o influxo de nossos passos.
Queremos evitar a última verdade, aquela que nos treme os poros, que apaga nossa lamparina. Na treva em que estamos, preferimos carregar a fé dessa pequena luz particular a perdê-la por completo, precisando assim confrontar o mistério último. Ó noite particular da alma, roda que perde seu rodar para confrontar o uniforme secreto daquilo que beija o solo.
Prefiro perder a vida do que morrer, diz o Eremita arrancado da roda, ele próprio a roda em si. Mas se o tempo das coisas já não se move mais como outrora, ele contudo se move, devagar, vago, vagaroso, lanterna a procura da Justiça, Diógenes à procura de um homem honesto. Homem insistente, teimoso, tão quadrado que chega a ser cúbico. Em busca do tempo perdido. Em busca do tempo rei, ó tempo rei, ó tempo rei:
“Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei.”
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