Me acostumei a pensar no Cavaleiro de Ouros como um jardineiro. Essa figura de aparência bronca e olhar caído que vai andando com seu cavalo por entre as terras que o próprio cultiva e semeia, a cata de um admirável tesouro, sim, tesouro que se faz na agrimensura. Quero que você sinta o cheiro do solo arado ao contemplar esse admirável guerreiro.
Esse é um arcano que me dá preguiça. Sim, preguiça, porque o trabalho dele cansa. O fruto do cultivo é doce, mas as mãos suja de terra, o constante arar da terra e o suor no rosto, ah, isto cansa, isto cansa. É um homem justo contudo, sabe as regras do chão, regras do homem. Que um dia ele também fará parte dessa obra, será alimento das minhocas.
Luta, claro que luta, é cavaleiro. Mas não se mete em qualquer briga. Não tem a paixão, o ardor ou a paranoia dos outros homens de cavalo. Serve ao reino como uma ovelha segue o pastor. Mas aqui não temos uma ovelha, tomemos consciência: é um touro bruto porém suave.
Sim, tudo nesta carta me traz ideias de agricultura. Um boi pastando, uma terra por ser semeada, o longo trabalho de uma estação. A testa suja de terra, um sorriso leve com um pedaço de trigo na boca. O Cavaleiro de Ouros é um bom fazendeiro. Aprendamos também a ser.
"Um grande fruto ainda não foi comido.
O homem superior recebe uma carruagem." (H23, L6, I Ching).
Duas moedas, só uma nos cabe a visão. O Valete de Ouros é um funcionário valoroso. Apesar de reconhecer sua função, sabendo que precisa servir, nesse processo pode se subestimar e perder algo nos detalhes. Como quem encontra uma joia e nem se dá ao direito de continuar escavando: uma só basta. Porque o suficiente é cumprir seu dever.
É uma figura prática mas jovial; calma, consciente. Como admira a moeda com paciência, analisando, ruminando, colhendo informações, apreciando e pensando como usufruir deste recurso. Quando sabemos nossa capacidade e, mais do que isso, nossas incapacidades, não podemos nos dar ao direito de usar o que temos de qualquer maneira. É preciso contemplar, saber tocar e sentir o que é limite.
Mas na certeza de nossa inocência e fragilidade, não podemos nos dar ao direito de ignorar os arredores. Há sempre algum tesouro a mais, uma joia para baixo da terra por explorar, se conseguimos impor os dedos sobre o solo e escavar pacientemente, com a cordialidade de quem aspira mais que uma mera moeda.
No detalhe do detalhe e seus entalhes, podemos encontrar tesouros dos mais plenos, mas não nos deixemos perder o brilho do inesperado. Se esta é a única figura da corte com duas moedas, o ouro é garantido para quem tem os pés firmes no chão, e os olhos atentos no solo. Não nos deixamos distrair pelo que já conseguimos, mas ousar mais, por mais devagar que a procura de uma relíquia possa ser.