"Não há vínculo que possa unir o dividido senão o amor." - LA I: 41
A água é um elemento miraculoso: sempre retorna ao mar.
A tudo se liga, sem distinção. No ar é umidade, na chama se faz vapor, nutre a terra, e mistura-se consigo mesma de tantas formas quanto possíveis são.
O mar é a compreensão de que tudo na água é unidade. Se você separar parte da água do mar, o mar permanece sendo o mesmo. E a água separada retorna sempre ao ponto de origem. Evaporando, alcança rios, torna-se nuvem, desponta no céu. Sorvemos a água que um dia foi mar e então nadamos em um oceano e nos irmanamos a profusão de sal e liquidez.
Tudo na água é vínculo. Até nosso corpo a carrega em si, setenta por cento. Setenta por cento do planeta é água. E o planeta se chama Terra.
Afrodite Urânia despontou do céu, nasceu na docilidade da espuma marinha, a mais bela das deusas. Até em sua exuberância se fez água, deusa marinha, pérola celestial. No mar se fazem tantos milagres quanto os mistérios que residem em suas profundezas. No a-mar reside um sublime misticismo que multiplica peixes, abre oceanos, liberta profetas de monstros.
Parece que realmente é da água o símbolo do milagre. E o que seriam os peixes senão criaturas milagrosas, capazes de viver onde tantas criaturas não tem a possibilidade alguma de sobreviver? Os peixes exaltam o amor, porque habitam na água suavemente. Se há solidão, tornam-se cardumes, diluem-se em uma unidade maior, multiplicam-se indefinidamente.
É doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar. Porque é um fardo suave se tornar parte de uma força tão imensa. Estar nas águas é perder a capacidade de mensurar, quantificar, estabelecer regras, lógicas, leis. No amor tudo é abstração.
O amor é quiçá a maior das abstrações. Não pode ser definido em uma imagem concreta. O amor é e se faz presente a todo instante. Uma pessoa definirá o amor desenhando um coração, outra contará toda a sua experiência de vida, outra falará da pessoa que mais ama, uma criança desenhará uma flor. Mas no fim, todas essas visões diversas e únicas tornam-se um só conceito no arrebatamento de um sentimento estrondoso, maremótico, ímpar:
Amor é amor, toda descrição se torna irrelevante.
É algo que permeia e une as coisas, frutifica as plantas, gera a vida a todo instante, atroz movimento das ondas, permanentemente movimento. Força geratriz derivada da suavidade, da docilidade, de um êxtase que ultrapassa a razão, a banalidade, para alcançar um estado divino que não cabe em palavras.
Os peixes não falam porque não tem palavras para explicar o que é o amor. Talvez devêssemos aprender algo disso. Quem sabe assim exaltaríamos ela, a quem dedico este louvor. Mas palavras, Urânia, jamais te descreverão. Por isso calo, por isso canto:
Que eu possa no mar, ser espuma
E assim sentir o toque de seus pés;
Urânia, do céu despontas, pluma
Para elevar no amor as nossas fés.
Meu corpo dissolve na vista suave
Daquilo que amo e me multiplica,
Por entre os céus me faço sua ave
Alçando voos em oblonga súplica
A mais bela, adornai meu semblante,
Perfumai com rosas meus caminhos,
Esteja o amor para sempre adiante
E em teus gestos, repletos de carinhos,
Que eu me entregue, tamanho atalante
Ao êxtase que excede todos os vinhos.
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